Salsa porto-riquenha: música, dança e sincretismo

por Maurício Camargo Trida

Plano elaborado para 2 aulas

100 min

Após um conjunto de aulas sobre a História de Porto Rico, proponho, para alunos do 3º ano do Ensino Médio, uma conclusão do assunto utilizando a salsa como base. A ideia é permitir que os estudantes conheçam um pouco da história de um país da América Latina completamente esquecido pelos livros didáticos e tenham certo contato com a cultura porto-riquenha e do restante da América.

CURSO: Narrativas da América: discursos e dinâmicas locais

Objetivos

Considerei muito interessante o relato do escritor mexicano Jorge Volpi, no prólogo de seu livro El insomnio de Bolívar, dizendo que, quando na Espanha, percebeu-se latino-americano, viu-se irmanado com outras pessoas vindas da América Latina: “antes de viver em Salamanca, nunca tinha sentido a repentina necessidade de dançar salsa (no México, diferente de uns países menos hipócritas, a burguesia despreza a música tropical) e agora, de repente, me pegava uma vez por semana no El Savor – assim mesmo, sem a ortografia certa –, a catedral da salsa salamanquina, um agitado antro nas proximidades da Gran Vía, onde a cada fim de semana juntavam-se os estudantes latino-americanos” (2009. p. 13). Esse e outros relatos presentes no texto aguçaram meu interesse em trabalhar com a salsa (seja a música, seja a dança) com os estudantes do terceiro ano do Ensino Médio (alunos com idade entre 16 e 18 anos). Em uma América Latina tão díspar, em que latino-americanos não reconhecem seus vizinhos, o vínculo trazido pela salsa é bastante digno de nota e pode ser riquíssimo como fator de análise para diversos assuntos e localidades.

A história de Porto Rico –, com o grupo indígena dos taínos, o domínio espanhol, as diversas migrações (as forçadas, como a dos africanos, e as livres, como a dos europeus), a independência tardia com o subsequente domínio estadunidense, – é extremamente rica e sincrética. É um ótimo ponto para explorar diversos assuntos importantes no estudo da História da América Latina. A salsa também é extremamente sincrética. Como música apresenta elementos indígenas, africanos e europeus; como dança apresenta raízes e estilos diferentes em diversos locais da América (valendo destacar a Colômbia, Cuba, Porto Rico e os Estados Unidos). Alguns elementos desse sincretismo podem ser percebidos e ressaltados durante a aula, seja com a música, seja com a dança.

A aula tem como objetivo principal permitir que os alunos encontrem elementos de análise da História de Porto Rico e da América com a música e os passos de salsa. Além disso, pretende deixar claro para os estudantes que o Brasil e os brasileiros são parte da América Latina. Que, mesmo que em menores proporções, a salsa também é dançada no Brasil. Além disso, vale ressaltar nosso processo sincrético para criar música e dança e como isso pode ser analisado historicamente.

Requisitos

Leitura feita em casa do capítulo “A título de prólogo”, do livro A insônia de Bolívar, de Jorge Volpi. Aulas anteriores sobre a História da América (com destaque para a História de Porto Rico). É imprescindível um aparelho de som e, se possível, um data show. Além do conhecimento histórico, é necessário que o professor conheça um pouco de dança de salão (ou conte com a presença de um dançarino).

Avaliação

Após diversas aulas e avaliações que têm como padrão utilizar documentos escritos para analisar o passado, vale ressaltar que esta aula, nas palavras do historiador francês Jacques Le Goff, está “Na encruzilhada do material e do simbólico [em que] o corpo fornece ao historiador... um observatório privilegiado... Interessa dar toda a importância, para além da escrita, à palavra e ao gesto.” (2016. pp. 11-12). A avaliação caminha da mesma forma e pode ser feita em duas etapas: uma presencial e outra como lição de casa.

Recomendo que a avaliação presencial seja feita de maneira espontânea, com o professor apenas provocando os estudantes para que eles encontrem nas músicas e nos passos da dança elementos da cultura indígena, africana e europeia. Mesmo que os alunos executem uma análise apenas incipiente, o professor deve aproveitar essa avaliação para aprofundar o assunto, aprofundando a análise e apresentando novos elementos.

A lição de casa, a segunda avaliação, consiste em solicitar que cada estudante selecione ao menos uma música brasileira ou um vídeo de dança em que seja possível observar algum sincretismo entre, pelo menos, duas culturas. Após a seleção, o aluno deve escrever um texto explicando sua escolha e, se desejar, apresentar aos colegas. Recomendo convidar outros docentes da escola (o professor de Artes, por exemplo) e deixar os alunos livres para solicitar o auxílio de outros professores para executarem a tarefa de casa.

Lista de atividades

Exposição Oral por parte do professor

10 min

“[Nós, latino americanos de vários países, quando em Salamanca, na Espanha,] Descobríamos, então, pasmos, que só compreendíamos nossos sotaques, que não tínhamos a menor ideia do que acontecia em nossos países e que a literatura, a arte, o cinema e o teatro produzidos para além de nossas fronteiras pareciam tão inacessíveis quanto a caligrafia chinesa ou o artesanato maori (a música se mantinha como único vínculo comum).” (2009. p. 14.) E, anos mais tarde, “A repentina visita de representantes de todos os lugares – havia, inclusive, um chicano – não fez mais do que confirmar, durante as sessões públicas e as longas noites de copos, de farra, de baile, o que havia aprendido em Salamanca: nos sentíamos felizmente latino-americanos, embora, na prática, desconhecêssemos tudo, tá, quase tudo, dos demais.” (2009. p. 16.) Recomendo, como introdução oral do professor, a leitura desses trechos do capítulo “A título de prólogo”, do livro A insônia de Bolívar, de Jorge Volpi. A ideia é mostrar que os latino americanos não conhecem muito dos seus vizinhos, mas que a música e a dança acabam tendo muitos elementos correlatos. Caso o professor não aprecie esses, disponibilizo, em anexo, o capítulo com outros trechos que falam do vínculo comum da música e da dança entre os latinos americanos.

Além disso, o professor também pode relembrar os principais elementos que foram trabalhados nas últimas aulas sobre a História de Porto Rico e do restante da América.

Vídeo/Música/Imagem

15 min

Selecionar algumas salsas para os alunos escutarem. O ideal é que o professor selecione salsas produzidas em diversas regiões da América, como Porto Rico, Cuba, Colômbia e Estados Unidos. Indico Machito's Afro-Cuban Orquestra, Compay Segundo, Son de Cali, Tito Rodriguez, Joe Arroyo e Tito Puente (alguns exemplos nos links indicados), mas o professor deve se sentir livre para selecionar bandas, compositores, cantores e músicas de seu próprio gosto. Durante a troca de músicas, o professor pode ressaltar que aquelas salsas não foram produzidas em apenas um local, mas, sim, em vários países diferentes da América.

Atividade oral envolvendo a classe (perguntas/respostas/debate)

15 min

A aula pode ser muito enriquecida se o professor conseguir apresentar alguns dos instrumentos utilizados para se tocar salsa. Como é extremamente difícil que algum professor tenha vários instrumentos e ainda saiba manejá-los, selecionei alguns links que podem ajudar na apresentação. Como na atividade anterior, o professor pode apresentar os instrumentos de sua preferência, mas eu sugiro o güiro, a clave e as maracas, que servem perfeitamente como exemplo da união de tradições das músicas africanas com os povos indígenas. Indico também instrumentos de sopro e corda, como o tres cubano, o saxofone, o baixo e o trompete, como exemplos da influência europeia. O professor pode, então, repetir algumas das salsas e pedir para que os estudantes encontrem aqueles instrumentos nas músicas.

Outro tipo de atividade em sala de aula (expressão corporal: dramatização, "peças de teatro", musicalização, danças)

25 min

O professor ou um dançarino convidado pode, então, ensinar alguns passos de salsa para os estudantes. Recomendo o passo básico, um movimento simples de abertura (um abre e junta) e um giro (o broken right). Durante a execução dos passos, o professor pode enfatizar como alguns movimentos (como o abre e junta) têm forte origem das danças africanas, completamente voltado para o solo, e outros (como o broken right), mais rápidos e com deslize dos pés no chão, estão muito mais ligados aos salões de salsa nova-iorquinos.

Vídeo/Música/Imagem

20 min

Sugiro que o professor, então, mostre vídeos de diversos estilos de salsa: a salsa colombiana, a cubana, a porto-riquenha, a nova-iorquina e a de Los Angeles. Durante a apresentação dos vídeos o professor deve mostrar como, mesmo sendo estilos de dança diferentes, dançados em regiões diferentes da América, todas essas formas de dançar encontram elementos correlatos. Além disso é possível, durante os vídeos, pedir para que os estudantes encontrem elementos das tradições indígenas, africanas e europeias, seja na música, seja em elementos da dança.

Atividade a ser realizada em casa pelos alunos (lição de casa)

15 min

O professor pode explicar o significado de sincretismo e, novamente, ressaltar a existência dele nos instrumentos, músicas e danças observados. Como lição de casa, vale pedir para que cada estudante selecione ao menos uma música brasileira ou um vídeo de dança em que seja possível observar algum sincretismo entre, pelo menos, duas culturas. Após a seleção, o aluno deve escrever um texto explicando sua escolha e entregá-lo em uma semana. Os alunos que estiverem dispostos, na semana seguinte, também podem ser convidados a apresentar a lição para os colegas.


Referências

CAMACHO, Isabel Llano. “Inmigración y música latina em Barcelona: el papel de la música y el baile em processos de reafirmación e hibridación cultural”. Revista Sociedad y Economía. Número 15. Cali: Universidad del Valle, 2008. pp. 11-36.

LASIERRA, Iñigo Abbad y. Historia geográfica, civil y natural de la islã de San Juan Bautista de Puerto-Rico. Washington: Library of Congress, 1827.

LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro: Vozes, 2016.

PRADO, Maria Lígia Coelho. “O Brasil e a distante América do Sul”. Revista de História. Número 145. São Paulo: USP, 2001. pp. 127-149.

VERGARA, Malucha Subiabre. “‘Los salseros tienen fiesta’: salsa, baile y escucha musical em Santiago de Chile a fines de los ochenta”. Resonancias. Número 32. Santiago: PUC de Chile, 2013. pp. 47-64.

VOLPI, Jorge. A insônia de Bolívar. Quatro considerações intempestivas sobre a América Latina no século XXI. México: Debols!llo, 2010. (Tradução do primeiro capítulo disponível em https://prova.olimpiadadehistoria.com.br/media/transfer/doc/5aa5445aa31256.08082586.pdf)

VOLPI, Jorge. El insomnio de Bolívar. Cuatro considerações intempestivas sobre América en al siglo XXI. Barcelona: Debols!llo, 2009.