A voz e a vez do Jeca: resistência cultural caipira no século XX

por Carla Izabel Amaro Brolia

Plano elaborado para 4 aulas

175 min

Essa aula para a 3ª série do EM aborda como a música caipira contribui para a historicidade das populações rurais e migrantes no contexto de crescimento urbano e industrial do século XX.Trata-se de explorar o que Le Goff chamou de “arquivos do silêncio” e compreender uma forma de resistência cultural que representa o enraizamento de grupos que não se curvaram diante da imposição da modernidade.

CURSO: A Canção Popular no Ensino de História

Objetivos

No decorrer do século XX, a medida que o Brasil passava por um processo de urbanização e industrialização, a contraposição ao campo se tornou cada vez mais intensa. A cultura rural passou ser alvo de preconceitos da visão urbano-progressista calcado no ideal de modernidade. As populações pobres viram-se ainda obrigadas a migrar para as cidades, sendo pressionadas a deixar seu modo vida e valores para se adequar a novas formas de sociabilidade e cultura.

Nesse contexto, a música caipira operou como instrumento de aglutinação e enraizamento representando uma forma de resistência cultural, mantenedora dos valores referenciais desse povo. Os cantadores de modas de viola, em sua maioria vindos de camadas sociais de baixa renda, produziram verdadeiras crônicas da população humilde da área rural se contrapondo à visão oficial que tentava depreciar esse tipo de cultura como forma de atraso. Os caipiras narraram sua própria história em canções tornando-a conhecida por todos ao conquistarem a terceira maior fatia do mercado de discos desde os anos 1930. Assim, essas canções são uma fonte histórica privilegiada por apresentar uma outra versão que se contrapõe à oficial: a história de uma população que se sujeitou, mas não se entregou.

Essa aula, voltada para os alunos da 3ª série do Ensino Médio, tem como objetivo explorar os temas e dialetos presentes nessa canções como uma forma de resistência dessas populações diante do processo de mudança impulsionado pela urbanização e industrialização no século XX. Busca resgatar a historicidade dessa populações buscando sua experiência vivida, seus anseios, angústias, valores e acontecimentos nas letras das canções e na forma como a parte musical se organizavam, descontruindo estereótipos e preconceitos acerca dessa cultura.

O trabalho com essas canções permite desenvolver a habilidade de identificar interpretações que expressem visões de diferentes sujeitos, culturas e povos com relação a um mesmo contexto histórico, e posicionar-se criticamente com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Requisitos

Recursos Humanos: O professor de História

Recursos Materiais: lousa; aparelho de reprodução de áudio, podendo ser até o smartphone; acesso à internet; impressão dos textos a serem trabalhados, letras das canções, imagens e produções dos alunos; TV ou Data show e notebook para apresentação de slides; Áudio das canções utilizadas

Avaliação

A avaliação será diagnóstica e contínua tendo como foco a compreensão do processo de aprendizagem do estudante enquanto ele ocorre para realizar intervenções enquanto é possível e garantir que sua formação ocorra de fato, aprofundando e diversificando sua compreensão inicial a respeito da cultura caipira.

A partir da atividade disparadora do tema, começa o diagnóstico da percepção dos alunos registrados no resumo inicial e em seus comentários. A partir daí se avaliará o desenvolvimento e envolvimento do aluno nas diversas atividades realizadas, procurando identificar as mudanças estruturais e argumentativas relacionadas ao seu conhecimento.

Entre as estratégias que organizarão o acompanhamento desse processo estará:

- Observação constante do envolvimento do aluno nas atividades propostas, de sua colaboração com colegas e com as atividades tanto individuais quanto em grupo.

- Registro dos avanços e dificuldades apresentados de forma individual e coletiva em cada atividade.

- A qualidade da produção textual apresentada, considerando a organização, argumentos, coesão e coerência de acordo com o que foi trabalho sobre a música caipira e sua historicidade. O uso de conceitos, contextualização, relações de causalidade e noções de tempo também serão observados.

- Pertinência nos comentários e contribuições nos momentos de socialização de pesquisa demonstrando conhecimentos históricos e criticidade.

- Auto-avaliação tanto oral quanto escrita para desenvolver a co-responsabilidade do aluno com sua formação e ele posso regular os aspectos em que houver necessidade.

- Observação de posicionamento crítico com relação as canções caipiras, distanciando-se dos estereótipos, compreendendo sua importância como fonte histórica para além do gosto musical cada de indivíduo.

Lista de atividades

Atividade oral envolvendo a classe (perguntas/respostas/debate)

15 min

Sondagem e motivação: música caipira

A aula se inicia ao som de uma música caipira qualquer colocada para tocar enquanto o professor distribui materiais visuais como capas de LPs desse estilo musical circulando entre os alunos enquanto a música toca. Na ausência das capas, é possível imprimir imagens delas e apresentar para reforçar visualmente o envolvimento da turma. Quando a música termina, começam questionamentos sobre esse tipo de música para colher os conhecimentos prévios:

A) Que tipo de música é essa?

C) São populares? Quem escuta?

D) Há diferença entre música caipira, música sertaneja e música raiz?

E) Quais instrumentos se destacam na composição?

F) É possível estudar e entender melhor a história do Brasil no século XX a partir dessa canções?

As contribuições mais significativas vão montando uma chuva de palavras na lousa.

Feito isso, o tema é apresentado aos alunos destacando a potencialidade da música caipira como fonte histórica e peça para eles realizarem um breve resumo respeito desse diálogo.


Exposição Oral por parte do professor

15 min

Apresentação de slides produzidos pela professora com características, temas e historicidade das músicas caipiras a partir dos texto "Caipira: cultura, resistência e enraizamento" de Ivan Vilela.

Nessa atividade os alunos perceberão a forma como esse tipo de canção tem se firmado dentro das canções populares ao longo do tempo desenvolvendo múltiplas relações com o contexto de sua produção e repercussão. Enquanto a história oficial condenou grande parte dos sujeitos históricos brasileiros ao silêncio, os cantadores das modas de viola se tornaram uma espécie de guardiões da história de um povo humilde, morador da área rural e/ou migrantes nas cidades, produzindo verdadeiras crônicas de suas experiências de vida. Destaque os temas recorrentes, a abordagem de acontecimentos históricos, os valores apresentados como forma de vida dessa população, inclusive aqueles questionáveis como crimes em defesa da honra.

A parte instrumental das canções, especialmente os tratejados da viola que produz um som não limpo que já foi muito criticado pelos defensores da cultura erudita também terá espaço nesse momento. mostrando aos alunos que essa característica das modas de viola são o resultado da mão enrijecida pela trabalho no campo.

Vídeo/Música/Imagem

35 min

Análise de vídeo “O Imaginário Romântico da Música Popular Brasileira” de Ivan Luís Lima Cavalcanti.

O professor Ivan trabalha com as música cafonas nos anos 1960 e 1970, entretanto, é possível traçar paralelos entre sua fala e as características das canções caipiras: o lugar de fala dos compositores/cantores muito próximo de seu público, alguns motivos pelos quais a cultura erudita despreza esse tipo de canção, a importância que todo tipo de canção tem como fonte histórica independentemente do gosto pessoal que temos por estilos musicais. Isso é colocado para a turma antes da exibição.

Após o vídeo, numa roda de conversa com os alunos, esses paralelos são retomados e reforçados de forma dialogada. Para concluir, a turma organiza de forma coletiva, um resumo das principais reflexões e comparações relevantes.

Atividade a ser realizada em casa pelos alunos (lição de casa)

10 min

Produção de mapa mental sobre as características da canção caipira e a relação próxima dos cantadores com seu público e seu contexto.

Em casa, é momento de sistematizar o que foi aprendido até aqui. Espera-se que os alunos elenquem temas e características das canções caipiras relacionando-os entre si. A relação próxima que os cantadores têm com seu público também deve aparecer, assim como a simplicidade das letras, o trastejado da música, o dialeto usado como decorrência da experiência vivida e dos acontecimentos históricos que afetavam essa população.


Seminário em grupo (alunos)

15 min

Escutando e pensando nas canções

O trabalho com as canções nunca pode deixar de lado a escuta atenta das composições e a análise de suas letra e música. Para isso, a turma será organizada em grupos que pesquisarão canções de diferentes momentos, cantores, compositores e fases da música caipira. Isso propiciará uma visão panorâmica para a turma e uma experiência mais verticalizada para os alunos de cada grupo que deverá apresentar as características musicais e a relação dessa composição com seu momento histórico. O universo das composições é bastante vasto, assim é possível deixar que os próprios alunos escolham uma canção dentro tema que coube ao grupo, lembrando a eles a importância de fazerem uma escolha relevante. Algumas turmas, entretanto, podem não ter muito empenho em buscar canções relevantes, nesse caso, especifico algumas sugestões. A orientação para o que se pretende dessa pesquisa é feita em sala e a pesquisa em grupo desenvolvida em casa.

a) A mulher: “Cabocla Tereza” (composição de Raul Torres e João Pacífico na voz de Tonico e Tinoco)

b) A experiência do êxodo rural: “O caboclo na cidade” (composição de Dino Franco na voz de Dino Franco e Moraí)

c) Defesa do caipira e de seu modo de vida: “A caneta e a enxada" (composição de Teddy Vieira e Capitão Barduíno na voz de Lourenço e Lourival)

d) Resistência do dialeto: Cuitelinho (composição de Bento Costa na voz de Pena Branca e Xavantinho) e "Chico Mineiro" (composição de Tonico e Francisco Ribeiro na voz de Tonico e Tinoco)

Obs: Se o professor puder dispor de mais tempo para trabalhar o tema, é possível ampliar essa atividade, envolvendo outros temas e canções como aquelas que trabalham a saudade do campo ("Saudade da Minha Terra") e o catolicismo popular ("Romaria"). Ainda é possível abordar a relação que essas músicas apresentam com determinados contextos políticos do Brasil, como no caso de "Disparada".


Seminário em grupo (alunos)

45 min

Os alunos trarão as canções para serem ouvidas e farão uma breve explanação sobre suas pesquisas e percepções.


Outro tipo de atividade em sala de aula (expressão corporal: dramatização, "peças de teatro", musicalização, danças)

30 min

7- Elaboração de uma intervenção urbana

É o ponto alto dessa aula, o momento em que o saber produzido na sala alcança a comunidade. A turma escolhe três canções para apresentá-la num local público, uma praça da cidade, por exemplo, e também prepara algum recurso visual como cartazes. Essa atividade poderia envolver outras disciplinas como Língua Portuguesa e Artes, assim como contar com pessoas da própria escola (alunos, professores ou funcionários que tocam viola ou violão) ou ainda convidar violeiros locais para apresentar as canções. O evento precisa de divulgação prévia para atrair interessados. Após a apresentação de cada canção, os alunos discutem suas características e historicidade envolvendo pessoas da comunidade. Ao final do evento, uma roda de conversa auto-avaliativa condensa as percepções sobre a atividade.


Produção escrita individual (alunos)

10 min

Cada aluno deve produzir um relatório individual sobre o tema, demonstrando ter aprofundado e diversificado sua compreensão inicial a respeito da cultura caipira e sua historicidade. A atividade começa na sala de aula e pode ser concluída em casa, com um tempo maior para cada aluno pensar sobre seu relatório.

A turma será lembrada que a organização, a argumentação consistente, coesão e coerência de acordo com o que foi trabalhado serão avaliados, assim como a utilização de conceitos corretos, contextualização, relações de causalidade e noções de tempo que também serão observados. É importante pedir que eles utilizem trechos das canções caipiras como exemplos já que grande parte da aula se dedicou à análise de algumas delas.


Referências

ABUD, Katia Maria. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de história

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 2003.

MORAES, José Geraldo Vinci de. História e música: canção popular e conhecimento histórico

NAPOLITANO, Marcos. História & Música. Editora Autêntica, 2002.

___; AMARAL, Maria Cecília; BORJA, Wagner Cafagni. Linguagem e canção: uma proposta para o ensino de História

VILELA, I. Cantando a própria história – música caipira e enraizamento. São Paulo: Edusp, 2013

ZABALA, A. A avaliação. In: A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Art Méd, 1998. cap. 8, p. 195-200.

ZAN, José Roberto. Música popular brasileira, indústria cultural e identidade. EccoS Revista Científica, vol. 3, núm. 1, junho, 2001, pp. 105-122

Vídeos:

“O Imaginário Romantico da Música Popular Brasileira” de Ivan Luís Lima Cavalcanti. In: https://www.youtube.com/watch?v=hQn6kBcqkpI&feature=emb_logo